Sexus...
Ao som de violoncelos, a orquestra de Amsterdã e Velvet Undergorund com Nico, letras que me emocionaram e abriram espaço no coração e na mente pra refletir...
Em seu ‘Sexus’, Henry Miller assim diz:
“Eis a fórmula simples que me veio à mente: todo mundo adquire o poder de cura no momento em que se esquece de si mesmo. A doença que se vê em toda parte, a amargura e o desgosto que a vida inspira em tantos de nós, é apenas reflexo da doença que cada um carrega dentro de si. Nenhuma profilaxia jamais poderá defender-nos da doença do mundo, porque trazemos o mundo dentro de nós. Por mais maravilhosos que os seres humanos possam tornar-se, a soma total sempre irá resultar num mundo doloroso e imperfeito. (...)
(...) Quanto à salvação e tudo mais... Os maiores mestres, os que curam de verdade, diria eu, sempre insistiram em que o máximo que podem fazer é apontar o caminho. O Buda, inclusive, chegou ao ponto de dizer: ‘Não creia em coisa alguma, onde quer que tenha lido ou de quem quer que tenha ouvido, mesmo que eu próprio o tenha dito, se ela não concordar com sua razão e seu bom senso’. (...)
(...) No entanto, o caminho da vida é no rumo da plenitude, leve aonde levar. Devolver um ser humano à correnteza da vida significa dotá-lo não só de confiança própria como também de uma fé persistente nos processos da vida. O homem que tem confiança em si mesmo precisa confiar nos outros, na justeza e na correção do universo. Quando um homem está ancorado nessas convicções, pára de preocupar-se com a correção das coisas, com o comportamento de seus semelhantes, com o certo e o errado, a justiça e a injustiça. Se tiver suas raízes na correnteza da vida, há de flutuar na superfície como um lótus, florescer e dar frutos. Tirará seu sustento do alto e de baixo; enviará suas raízes cada vez mais longe, sem temer nem as profundezas nem as alturas. A vida que existe nele há de se manifestar em crescimento, e o crescimento é um processo infindável e eterno. Não terá medo de definhar, porque o declínio e a morte são parte do crescimento. Como semente ele começou, e como semente há de retornar. Os começos e os fins são apenas passos parciais no processo eterno. (...)
(...) E então o analista diz : ‘Adapte-se!’. Não quer dizer, como alguns preferem pensar – adapte-se a este apodrecido estado de coisas! Quer dizer: adapte-se à vida! Torne-se um perito! Eis o ajuste supremo – tornar-se um perito.
As flores delicadas são as primeiras que perecem na tempestade; basta uma pedra para derrubar o gigante. Para cada altitude que galgamos, perigos novos e mais assustadores nos ameaçam. O covarde muitas vezes está sepultado debaixo do mesmo muro contra o qual se encolhera em seu medo e angústia. A mais bem feita das cotas de malha pode ser penetrada por um golpe habilidoso. As maiores armadas acabam naufragando; as linhas Maginot são sempre contornadas. O cavalo de Tróia está sempre esperando para ser empurrado. Onde então está a segurança? Que proteção se pode inventar que ainda não tenha sido imaginada? É inútil pensar na segurança: ela não existe. O homem que procura segurança, mesmo no espírito, lembra o homem disposto a cortar seus membros para poder usar próteses que não lhe causem dor nem desconforto. (...)
(...) O medo, medo com suas cabeças de hidra, rampante em todos nós, é uma remanência de formas inferiores de vida. Situamo-nos no meio de dois mundos, aquele do qual emergimos e aquele para o qual rumamos. É este o significado mais profundo da palavra ‘humano’: somos um elo, uma ponte, uma promessa. É em nós que o processo da vida atinge a plenitude. Temos uma responsabilidade imensa, e é o peso dela que desperta nossos medos. Sabemos que, caso não sigamos em frente, caso não realizemos nosso potencial, haveremos de recair, extinguir-nos e arrastar o mundo com nossa queda. Carregamos o Céu e o Inferno dentro de nós; somos os construtores cosmogônicos. Temos escolha - e a criação inteira é nossa esfera de ação.
Para algumas pessoas, essa idéia é apavorante. Melhor seria, pensam elas, que o Céu estivesse bem no alto e o Inferno bem abaixo – em qualquer lugar de fora, mas não dentro de nós. Esse consolo, porém, nos é negado. Não há mais aonde ir para receber seja a recompensa, seja a punição. O lugar é sempre aqui e agora, dentro da pessoa de cada um e de acordo com suas preferências. O mundo é exatamente como cada um o representa, sempre, a todo instante. É impossível deslocar o cenário e fingir que pode haver uma troca, um outro ato. O arranjo é permanente, mudando com a mente e o coração e não em obediência aos ditames de um invisível diretor de cena. Você é o autor, o diretor e o ator ao mesmo tempo: o drama sempre será sua própria vida, e não a de ninguém mais. Um drama maravilhoso, terrível, inelutável, como um traje feito de sua própria pele. Você preferia que não fosse assim? Seria capaz de inventar uma peça melhor? (...)
(...) Ponha se de pé com suas duas pernas e cante com a voz que Deus lhe deu. Confessar, choramingar, queixar-se, comiserar, sempre tem um preço. Cantar não custa nada. E mais: além de não custar nada, enriquece os outros. Isso mesmo, cantem! Cante, ó construtor! Cante alto, guerreiro satisfeito! Porém, tergiversa você, como posso cantar quando o mundo está desabando, quando à minha volta tudo está banhado em sangue e lágrimas? Sabia que os mártires cantavam enquanto ardiam nas fogueiras? Não viam nada desabando, não ouviam gritos de dor. Cantavam porque estavam cheios de fé. Quem pode demolir a fé? Quem pode eliminar a alegria? Muitos homens já tentaram em todas as eras. Mas jamais conseguiram. A alegria e a fé são inerentes ao universo. No crescimento existem dor e conflito; na realização existem alegria e exuberância; na plenitude existem paz e serenidade. Aquele que ascende canta. Fica embriagado e exaltado com os panoramas que descortina. Ascende com passos firmes, pensando não no que fica abaixo, onde cairá se escorregar e perder o apoio, mas no que ainda o espera. Tudo ainda está à nossa frente. O caminho não tem fim, e quanto mais longe se alcança, mais a estrada se desdobra. Os pântanos e lodaçais, os charcos e sorvedouros, as covas e armadilhas, estão todos na mente. Esperam-nos de tocaia, prontos a engolir-nos no momento em que pararmos de avançar. O mundo das aparências é o mundo que ainda não foi totalmente conquistado. É o mundo do passado nunca do futuro. Avançar sem abrir mão do passado é o mesmo que andar arrastando uma bola de ferro presa ao pé com uma corrente. O prisioneiro não é quem cometeu o crime, mas todo aquele que se aferra a seu crime e o revive vezes sem conta. Somos todos culpados de um crime, o grande crime de não viver plenamente a vida. Mas somos todos potencialmente livres. Podemos parar de pensar no que não conseguimos fazer e fazer tudo que estiver a nosso alcance. O que podem ser esses poderes que temos em nós, ninguém ainda se atreve de fato a imaginar. Que eles são infinitos, é algo que havemos de perceber no dia em que admitirmos que a imaginação é tudo. A imaginação é a voz da ousadia. Se existe alguma coisa de divino em Deus, é isso. Ele ousou imaginar tudo.”
E esse é só o primeiro livro da trilogia... ui!